Olá, tudo bem por aí?
Aqui é a Marcelle Xavier, iniciadora do Instituto Amuta, uma plataforma para transformar as relações através do design. Tudo que fazemos no Amuta é fruto de muito estudo, e criei esse espaço para compartilhar as pesquisas e o processo por trás dos conteúdos e práticas criadas no instituto.
Para começar, feliz ano novo! Espero que tenha experimentado rituais de renovação, descanso e conexão nessa virada de ano!
Conheci recentemente o trabalho do psicólogo Adolf Adler e seu conceito de “separação de tarefas”. Para Adler muitos dos problemas que vivenciamos nos nossos relacionamentos estão relacionados com a nossa incapacidade de separar as tarefas. Esse conceito promove uma distinção entre as coisas pelas quais eu sou responsável e as coisas que não são minha responsabilidade.
“Quem, em última análise, vai receber o resultado final gerado pela escolha que é feita?” Essa é a pergunta que você deve se fazer para identificar de quem é a tarefa. Quando nos fazemos essa pergunta, percebemos que muitas das intromissões que fazemos em relação a atitudes das pessoas que amamos dizem respeito a coisas que não nos afetam de fato. E partindo desse conceito, quando elas realmente nos afetam somos capazes de manifestar de maneira objetiva e horizontal nossos pedidos, sem querer obrigar o outro a fazer algo apenas para me agradar.
Imagine algumas dessas situações: sua melhor amiga quer voltar com a namorada após um término difícil. Sua namorada quer fazer um experimento de ficar 1 mês sem tomar banho. Sua filha quer largar a faculdade de medicina. O que você faria nessas situações?
Em situações como essa, frequentemente acreditamos que é nossa responsabilidade ajudar a outra pessoa - talvez a ter uma visão mais lúcida ou fazer uma escolha melhor. Ou às vezes entendemos que precisamos fazer algo porque acreditamos que a atitude do outro irá ter consequências que irão recair sobre nós. Ou quem sabe, queremos interferir porque estamos depositando sob o outro expectativas de realizar tarefas que são nossas.
Por exemplo, talvez você ache que caso sua amiga reate o namoro, ela vai sofrer e vai “sobrar pra você”. Ou você pressuponha que sua namorada vai ficar fedorenta, e você irá parar de desejá-la. Ou que sua filha vai passar por dificuldades financeiras e irá recorrer a você.
Pode ser também que você queira fazer algo “para ajudar o outro”, mas no fundo você está querendo mesmo é alcançar suas próprias metas através dela. Talvez sua amiga solteira seja uma companhia mais agradável para você ou sua filha cursando medicina seja um motivo de orgulho para que você seja invejada por suas amigas.
Seja o motivo que for, estamos o tempo criando histórias para nós mesmas que justifiquem a constante intromissão em tarefas que são do outro. Como consequência, criamos nas nossas relações dinâmicas frequentemente verticais e autoritárias, geramos situações conflituosas e tornamos a nossa vida pesada e sobrecarregada. A verdade é que enquanto a gente seguir intervindo nas tarefas de outras pessoas, seguiremos exaustas, cheia de preocupações sobre coisas que não temos o menor controle.
“Ah, mas se eu amo aquela pessoa, e tenho mais informação, experiência ou idade, é meu dever ajudá-la.” - você pode estar pensando. Mas nesse caso você está alimentando uma relação vertical, na qual você pressupõe que está acima do outro e por isso deve tomar decisões por ela. O melhor a fazer é demonstrar que você está ali para apoiá-la, caso esse seja o seu desejo, sustentando a confiança de que ela saberá tomar as melhores decisões para si.
“Tudo bem. Mas a tarefa do outro às vezes vai me afetar. Minha namorada fedorenta é algo que posso sentir e isso me incomoda”. Bom, nesse caso, é importante se certificar se aquilo de fato está te afetando ou se é apenas uma preocupação para um suposto problema que pode vir a se manifestar no futuro. Talvez sua namorada ainda não esteja com mau cheiro, ou sua amiga ainda não esteja sofrendo, ou sua filha ainda não tenha falhado nas suas escolhas profissionais.
Quando você é capaz de separar as tarefas, entende que caso algo venha a causar algum incômodo de verdade, aí é a sua tarefa colocar os seus limites. Afinal, ao estabelecer esse limite entre eu e o outro, eu também consigo parar de esperar que o outro cumpra as minhas tarefas por mim. Você pode se perguntar: nessa situação, qual é de fato a minha tarefa?
É tarefa da filha decidir se quer continuar na faculdade, e é tarefa da mãe confiar na capacidade da filha de cumprir suas tarefas e amá-la como ela é, e não como deseja que ela seja. E é tarefa da mãe manifestar o seu limite - se sua preocupação é financeira, ele pode dizer que caso a filha não encontre uma forma de se sustentar profissionalmente, ele não está disposto a continuar dando dinheiro para ela.
Ou seja, quando você responde: de quem é a tarefa?:
você se torna capaz de ampliar o entendimento de quais atitudes do outro REALMENTE te afetam
você consegue criar uma relação HORIZONTAL na qual não há uma tentativa de controlar o outro
você assume as suas tarefas e para de esperar que o outro faça algo que é sua RESPONSABILIDADE.
Para um ano novo mais leve, talvez você possa começar respondendo: quais tarefas estou assumindo que não são de fato minha responsabilidade?
Até logo,
Beijos, Marcelle Xavier
PS: Para desenvolver esse conteúdo utilizei como base minha leitura do livro A coragem de não agradar de Fumitake Koga e Ichiro Kishimi e reflexões em um papo com o Alex Bretas.