Qual o limite do limite?
Olá, tudo bem por aí?
Aqui é a Marcelle Xavier, iniciadora do Instituto Amuta, uma plataforma para transformar as relações através do design. Tudo que fazemos no Amuta é fruto de muito estudo, e criei esse espaço para compartilhar as pesquisas e o processo por trás dos conteúdos e práticas criadas no instituto.
Dei uma sumidinha do email e das redes por motivos de: curso de Design de Conexões rolando + adaptações com um novo cachorrinho. (que inclusive tá me ensinando muita coisa sobre amor, limites e relações)
Mas antes da reflexão, um jabá de respeito! Hoje é o último dia das inscrições do Mol Academy, a formação de arquitetos de aprendizagem autodirigida criada pelo Alex Bretas, a pessoa que mais me ensina sobre aprendizagem e autonomia. Para quem não conhece o trabalho do Alex aproveito para indicar o documentário incrível que ele criou e eu tive o prazer de participar: https://bit.ly/playlistautodirecao.
Agora, compartilhando a minha reflexão da semana!
Ultimamente tenho pensado muito sobre o limite dos limites. Minha tia fala muito uma frase que é “é preciso moderação até para a hora de moderar”, que acredito que tenha muito relação com as ideias que proponho aqui.
Para começar, quero enaltecer o quanto os limites são fundamentais para qualquer relacionamento saudável. Se não conseguimos colocar ou respeitar os limites do outro, entramos em uma dinâmica violenta, abusiva e que reduz o “eu” dentro do “nós”. Entender isso é fundamental, e pra mim aprender a compartilhar os meus limites de maneira cuidadosa e ao mesmo tempo nítida é um exercício constante (tô longe do ideal).
Mas tenho pensado, será que existe um limite até para os nossos limites?
O que eu comecei a observar é que muitas vezes colocamos limites tão rígidos que não sobra espaço para a relação. Se meu limite é só sobre mim, sinto que fico ensimesmada e autocentrada. E mais, se a falta de limites obviamente pode criar dinâmicas abusivas nas relações, os limites muito duros também podem, especialmente se tratando de relações com dinâmicas de poder desequilibradas.
Nada pior que um limite arbitrário
É muito comum a gente se frustrar porque as pessoas estão o tempo todo invadindo nossos limites. Às vezes eu comunico um limite importante pra mim, e as pessoas simplesmente não se comprometem e a gente acha até que é o outro “me testando” ou com baixo comprometimento. Quem nunca né?
Mas será que esses limites foram acordados ou são apenas regras arbitrárias impostas por alguém que tinha mais poder (ou ao menos que gostaria de exercer ali o seu poder)?
Outro dia passei horas conversando com o Alex Bretas sobre os limites impostos às crianças e até aos cachorros. O adulto normalmente acha que sabe o que é bom e correto para criança, e que é seu papel como cuidador colocar os limites para prepará-la para o mundo.
Mas na minha convivência com meu cachorro, por exemplo, foi importante admitir que esses são limites importantes para mim, para que ele conviva bem comigo e não porque é o “correto”.
Por exemplo, o comportamento natural do cachorro é fazer xixi em qualquer lugar, e ele se comunica latindo - eu que estou pedindo pra ele adequar seu comportamento natural pra conviver comigo. E tudo bem fazer isso, mas o mínimo que eu posso fazer é cuidar para que esses limites sejam criados com amor.
Percebo que o mesmo vale para crianças ou em dinâmicas entre líderes e liderados em organizações - limites são melhor absorvidos se eles forem acordados e não impostos, e eles nascem na dinâmica da relação e não em um manual que diz o que é correto.
Do que esse limite cuida?
Os limites que melhor cuidam das relações são flexíveis. Sinto que meu limite normalmente é uma estratégia para cuidar de uma necessidade, e se eu fico apegada à estratégia, não tem muito espaço para ver e acolher o outro envolvido na relação.
Já notei que quando eu consigo comunicar para a outra pessoa o que está por trás daquele limite, do que eu quero cuidar quando coloco ele, nós conseguimos explorar diferentes estratégias para cuidar do que é importante.
E se eu consigo não só comunicar o meu limite, mas investigar e escutar o limite do outro, aí conseguimos chegar em acordos que cuidam de ambas as partes - acordos que fazem sentido e alimentam a relação. Nesse caso a relação cresce com os limites, e não se diminui.
Penso que os limites talvez tenham a ver com a pergunta “o que eu preciso para continuar me relacionando com você” e não só com “o que eu preciso”? Me vem a imagem de alguém chegando na minha casa, e a porta não está fechada, mas pra entrar peço que você tire os sapatos, porque pra entrar no meu mundo algo eventualmente precisa ser cuidado.
Se tudo é inadmissível, nada é inadmissível
Quer dizer que eu nunca posso ter limites rígidos? Com certeza pode, e até deve. Graças às deusas, existem coisas que socialmente já sabemos que não deveríamos aceitar nas relações (violência física, verbal, moral, psicológica, sexual, patrimonial - alô Maria da Penha!). Além dos limites óbvios, cada pessoa tem os seus próprios e individuais - cada uma sabe onde seu calo aperta!
Acredito que justamente porque precisamos perceber e comunicar nossos limites inegociáveis e intransponíveis, precisamos também saber que na maioria das situações, eles não precisam ser.
Quando eu tinha vinte e poucos anos, uma pessoa me perguntou: “o que você não admite em uma relação”. Saí pra pensar e voltei com uma lista de mais de 30 coisas. Essa pessoa então me disse: “será que você pode reduzir de 30 para 3?”. Ela me explicou que se tudo é inadmissível, então nada é inadmissível.
Muitos limites rígidos = menos relações
Acredito que inclusive tá tudo bem ter muitos limites rígidos, mas se estamos falando de relações, é importante aceitar que quanto mais os meus limites não abrem espaço para o outro, mais eu vou me isolar e posso eventualmente até criar até uma dinâmica abusiva - “Para se relacionar comigo só se for do meu jeito”.
É preciso aceitar que estar com o outro, é se confrontar com o barulho, a fricção, a frustração, a interrupção constante das minhas expectativas de como o mundo deveria ser.
Estar em relação é negociar limites, é transformar muros em pontes. Ao menos, é claro, até quando fizer sentido estar naquela relação.
E você? Já se viu em uma dinâmica abusiva por conta do limite duro do outro?
Até logo,
Beijos, Marcelle Xavier